Ela levantou cedo, preparou o café: três colheres de pó cheias, ¾ de xícara de açúcar, uma garrafa inteira de água...apesar de morar sozinha, não se acostumava às reduzidas medidas de pessoa só...pensava que havia algo mágico nessa medida que tornava o café feito pelo pai o melhor café do mundo...conseguia voltar à infância com aquele aroma...quando o pai acordava cedo e a escola era algo tão chato que paquerar o menino mais estranho da escola era ação mais prazerosa de seus dias de merendeira cheirando a suco de cajú derramado...
Foi até a estante, pegou um livro de crônicas, leu calmamente enquanto tomava o café, foi interrompida por um barulho de crianças na rua...percebeu que era sábado...e sentiu um imenso vazio, que só as pessoas sozinhas no sábado a tarde conseguem sentir...sentiu-se triste e só...conferiu a agenda telefônica do celular, passando calmamente nome por nome...sentiu-se ainda mais só...na imensa lista no telefone não havia ninguém para ligar naquele sábado de sol quente, crianças na rua, casais de namorados desfilando e programas ruins na televisão...quis chorar...decidiu tomar um banho, colocar sua melhor roupa e ir ao cinema sozinha...isso! um bom filme anima qualquer mortal...pega o carro na garagem e se sente muito bem...carro, vento no rosto, a possibilidade de ir aonde o vento levar, a música alta, tudo isso a faz sentir a pessoa com a maior liberdade que pode existir...num pensamento rápido, lembra Rubem Alves: “Os homens dizem amar a liberdade, mas de posse dela são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade é amedrontadora.Os homens são pássaros que amam o vôo, mas têm medo de voar. Por isso abandonam o vôo e se protegem em gaiolas” de volta ao volante pensa na liberdade e se aprisiona no medo...porque não deixar o carro ser guiado para lugar nenhum? quem sabe ir para a serra do cipó sozinha? sumir pelo mundo naquela tarde de sábado azul?...Conclui – não, não seria prudente, e se limita à liberdade de um carro em alta velocidade, no vento que bate na janela...e diz baixinho: melhor um cinema...e pronto...o sábado tornou a ter sentido...
Rubem Alves: “Somos assim. Sonhamos o vôo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o vôo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o vôo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram. É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que se as portas das gaiolas estivessem abertas eles voariam. A verdade é o oposto. Os homens preferem as gaiolas ao vôo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas”. ...
2 comentários:
Adorei as novidades: novo e lindo visual do blog, texto dos bons, como você faz como poucos, e, claro, o grande detalhe: atualizações. News... Notícias... Nouveles... Bom! Muito bom!!! Beijos!!!
Acho que é por isto que não consegui ver seu pai até hoje, por mais diferentes que eles foram para mim ele são tão parecidos... e este texto seu me deu um aperto no coração, pois eu não vou acordar com o cheiro do café dele, nem quando for lá a passeio. Vc não imagina com estou sentindo falta do café, da barba, dele me chingando que cortei o queijo erro. Aproveite o cheiro do café!!!!Era a forma que meu tinha de falar que estava cuidando de mim e te garanto que seu pai pensa assim também.... bj o texto ficou lindo!
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