O cheiro do feijão cozinhando, os tacos da sala, o barulho da enceradeira...Cida fazia tudo ao mesmo tempo...também passava os olhos na meninada...entre as três crianças na sala, a caçula era eu - quem acordava cedinho só para ver minha mãe antes dela sair apressada para o trabalho...lembro de sentir uma angústia infinita nas partidas de minha mãe...lembro também do movimento barulhento e aconchegante da hora do almoço...hora em que meu pai chegava suado e faminto, minha mãe também vinha calma e cansada, representando, naquele momento, a hora mais esperada dos meus dias de criança...hora de família reunida...apesar do cansaço impresso nos rostos de meus pais, sempre havia muita conversa na mesa posta...conversas sinônimas de acolhimento... Com gostinho de lençol lavado, chuva no telhado, arroz novinho, pé de goiaba, playmobil, rabiscos no caderno, rock no rádio, varanda gelada, churrasco de domingo, etc...
Nostalgias a parte, tenho almoçado sozinha...isso não me faz infeliz, mas lembrei-me que esse momento já foi mais especial...
Ela ainda não sabe lidar com o novo...
Ela ainda pensa que ele vai perceber o grande erro que cometeu e vai surpreende-la com mudanças de comportamento e flores...
Ela também sabe que esse pensamento não a leva a nada...e sabe também que a tristeza não muda anos de certezas...
Ela quer curtir a liberdade mas ainda não sabe qual bagagem tal liberdade traz embutida...
Ela ama os amigos mas sair ainda lhe desconcerta em determinados momentos...
Ela ainda sofre sozinha no quarto, pensando besteiras e conferindo o telefone...
Ela então inventa mil e uma maneiras de sair do bode...mas sabe que isso leva tempos...
O Vento
(Rodrigo Amarante)

posso ouvir o vento passar...assistir a onda bater...
mas o estrago que faz a vida é curta pra ver...
eu pensei que quando eu morrer vou acordar para o tempo e para o tempo parar.
um século, um mês. três vidas e mais...um passo pra trás? por que será?...vou pensar.

como pode alguém sonhar o que é impossível saber?
não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer...
e isso, eu vi, o vento leva!
não sei mas sinto que é como sonhar...
que o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer...e isso por quê? (diz mais)

se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem, então o que resta é chorar...
e talvez se tem que durar, vem renascido o amor bento de lágrimas...
um século, três, se as vidas atrás são parte de nós...e como será?
o vento vai dizer lento o que virá...e se chover demais a gente vai saber,
claro de um trovão, se alguém depois sorrir em paz.
(só de encontrar...)
- Oi garganta tudo bem?
- Não, tudo péssimo...você me destratou, jogou litros de cerveja na minha cara, me encharcou de água gelada e agora fica aí...se redimindo com sopinhas...vai te catar...
- Mas você tem que entender que estou fazendo o melhor que posso, melhor que ficar engolindo sapos, não?
- Você é assim, uma mistura explosiva de vomitar o que pensa e engolir o que não quer...devia cuidar melhor de nós, órgãos solidários que baixamos sua imunidade para você não achar que é independente demais...
- Ok, ok, entendi...dá para desinflamar agora???
- Bom, você aprendeu a lição?
- Que lição?
- Ora, ora....vou ficar mais uns dias arranhando para você aprender...

Sintaxe À Vontade

Composição: Fernando Anitelli/O Teatro Mágico

Sem horas e sem dores
Respeitável público pagão
a partir de sempre
toda cura pertence a nós
toda resposta e dúvida
todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser
todo verbo é livre para ser direto e indireto
nenhum predicado será prejudicado
nem tampouco a vírgula, nem a crase nem a frase e ponto final!
afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas
e estar entre vírgulas pode ser aposto
e eu aposto o oposto que vou cativar a todos
sendo apenas um sujeito simples
um sujeito e sua oração
sua pressa e sua verdade,sua fé
que a regência da paz sirva a todos nós... cegos ou não
que enxerguemos o fato
de termos acessórios para nossa oração
separados ou adjuntos, nominais ou não
façamos parte do contexto da crônica
e de todas as capas de edição especial
sejamos também o anúncio da contra-capa
mas ser a capa e ser contra-capa
é a beleza da contradição
é negar a si mesmo
e negar a si mesmo
pode ser também encontrar-se com Deus
com o teu Deus
Sem horas e sem dores
Que nesse encontro que acontece agora
cada um possa se encontrar no outro
até porque...

tem horas que a gente se pergunta...
por que é que não se junta
tudo numa coisa só?

o que é bonito

Lenine

O que é bonito é o que persegue o infinito
Mas eu não sou...eu não sou, não...
Eu gosto é do inacabado, o imperfeito, o estragado que dançou, que dançou...
Eu quero mais erosão, menos granito, namorar o zero e o não...
Escrever tudo o que desprezo e desprezar tudo o que acredito...
Eu não quero a gravação não, eu quero o grito...
Que a gente vai a gente vai...e fica a obra
Mas eu persigo o que falta, não o que sobra...
Eu quero tudo que dá e passa
Quero tudo que se despe, se despede e despedaça...

Quero tudo que se despe, se despede e despedaça...

larissa

O fim de semana foi uma loucura...Trabalhei até às 19h, tomei um banho rápido, fui ajudar na organização da festa de minha irmã e cunhada...uma noite longa, alguns grandes amigos, outros tantos desconhecidos numa festa que prometia mais do que alegrou...enfim, esperávamos mais, curtimos menos, e a festa ainda me rendeu uma enorme dor de cabeça e o fim de uma relação de quatro anos e meio...é, terminei um namoro que já se arrastava, desrespeitava e tensionava a cada dia...me dei o direito de passar um dia inteiro em depressão profunda...eita sábado triste...no domingo, já um pouco melhor fui para um clube: eu, minha cunhada, minha sobrinha, a filha de uma amiga e outra amiga...estava eu sentada no raso de uma piscina infantil quando Larissa (uma nova amiga de 08 anos de idade) se aproximou...pediu que lhe desse a mão para mergulhar... (pensei, uma menina tão grande numa piscina que bate nas canelas tem dificuldade de mergulhar?)...viro para o lado e enxergo os pais da garota sentados em uma mesa...do lado, a cadeira de rodas dela...da pequena Larissa...entendi o motivo de tamanha dependência e continuei ajudando a garota a mergulhar...entre conversas, ela me disse que sua mãe tb chama Roberta...que coincidência...continuei a brincadeira quando de repente ela olhou para mim e disse: “sabe, roberta. Eu queria morrer...”, sem pensar indaguei logo “por que, Larissa?”...ela olhou firmemente nos meus olhos e disse “porque Deus não vai me fazer andar”....senti meu coração dando nó, um amargo na garganta, os olhos enchendo d´àgua...um vazio imenso e acima de tudo um peso enorme em minha conciência...eu, triste com o fim de uma história da minha vida, que é realmente triste, mas não é o fim do mundo e a minha nova amiga ali, observando as crianças correndo, pulando na piscina, nadando, etc... sem poder fazer nada disso...fiquei atordoada com aquela conversa...senti um misto de peso na consciencia, revolta com o mundo que a fez pensar assim, e com uma certeza de que pelo menos naquele dia eu podia fazer a Larissa feliz...voltei para a piscina, procurei ela novamente, peguei-a pelos braços e brincamos o dia inteiro...ela disse que nunca tinha ido no fundo...levei-a, mergulhei com ela no fundo, ensinei ela a boiar, coloquei-a de pé, enfim, enquanto eu fiz o domingo dela ser melhor...ela me passou um ensinamento para a vida inteira...nada nessa vida é tão grave e sério que não possamos superar...há sempre situações bem mais difíceis que a nossa...tristeza? não a tenho mais...só grandes coisas para aprender e melhorar...
Estou tentando...
me livrar de minhas amarras, cadeados, celas, algemas...
me livrar das minhas mágoas, rancores, que corroem e doem...
me livrar do meu nervosismo, lirismo, sensacionalismo, intensidades que me afetam, incomodam e acalmam...
me livrar do excesso de senso, de zelo, de querências, de verdade, de egoismo, de paixão, de tristeza...
teses para o ano novo? dor de cotovelo? lista de promessas? Não sei...mas tô tentando...