Quando eu saí de casa para
morar com meu namorido, quis transformar minha nova casa em um verdadeiro lar,
com muito amor e, claro, com o conforto que nos lembrassem todas as coisas boas
vividas na casa de nossos pais – o cheiro de café passando, o misto quente, o
almoço regado à conversa fora, a cumplicidade, a briga pelo controle remoto, a
horta cheirando a manjericão e alecrim, os cocôs da Nina se espalhando pelo
piso e acima de todo o amor...mas numa coisa eu fracassei feio...não consegui montar uma fruteira como a do meu pai – a
velha gamela cheia de bananas, mexericas, laranjas, ameixas, mangas, entre
outras frutas dependendo da época...acho que a fruteira do meu pai é
incopiável, irresistível e
irretratável...isso porque aquela gamela cheia de cores e cheiros é o
retrato fiel do meu pai...tem o respeito dele pela natureza, tem a boca boa
dele saboreando cada fruta, tem a habilidade dele para descascar as superfícies
rígidas ou macias de uma daquelas delícias...cheguei a comprar uma travessa de
vidro e acomodei várias frutas nela – ficou até bonito, mas passados alguns
dias, as frutas foram murchando, ficando tristes e cheias de mosquitinhos – já
não lembravam em nada a fruteira do meu pai...talvez a fruteira do meu pai seja
mesmo única...e mágica...ou talvez seja só a rotatividade de renovação das
frutas, porque, acredite, é impossível ver o meu velho comendo uma fruta sem a
sua boca salivar, portanto, rapidamente todos devoram juntos aquelas frutas...o
bom é que posso desfrutar sempre desse prazer na casa dos meus pais...sei que o
sabor daquele momento tem muito mais do prazer de estar ali...então escondo a
verdade da minha fruteira de vidro sem graça, que enganada, pensa não ser tão
deliciosa por ser de vidro...o fato é que eu ainda não achei a gamela ideal,
será que ela será como a do meu pai?