Em gotas...


Lembrava da canção “a televisão me deixou burro, muito burro demais. Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais” Marcelo Fromes/Tony Belotto/Arnaldo Antunes.
Lembrava de como já desprezou algumas novelas, alguns programas sensacionalistas...
Lembrava da faculdade, do movimento esquerdista, da vontade de mudar o mundo e a cultura inútil das TVs...
E de como ela havia mudado...
Como ela havia se acomodado...
Agora, aguarda anciosamente o último capítulo da novela...vê atentamente os anúncios da próxima novela...até chora no Jornal Nacional...
Reconhece a mudança, analisa criticamente as cenas repetidas do jornal mostradas só para sensibilizar ou chocar os telespectadores...
Reconhece a banalidade e vulgaridade explícita das novelas...
Mas mesmo assim reconhece a mudança...
Como havia amansado esta moça...
Como havia adocicado o tempo, associando-o com separações ineficazes e burras – hora do trabalho igual a hora de pensar, hora de descanso igual a hora de não pensar...
Como havia liquidado à modernidade...
Zygmunt Bauman usou o termo “Modernidade Líquida” para falar sobre o “agora”...líquida, por ser uma era com as principais particularidades dos fluídos: a inconstância e a mobilidade. Bauman denomina o “agora” de “mundo do capitalismo leve”, ou como diria um professor, do “capitalismo fofinho”, associado à idéia de liquidez e à possibilidade, como ocorre com os líquidos, de uma rápida acomodação das pessoas e das coisas aos mais diversos encaixes. A época em que vivemos é a era das incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da busca de valores, do vazio, do imediatismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo e do consumo de sensações. Ou como diz o filósofo francês Baudrillard, “É o mundo dos simulacros em que as pessoas vivem, a sociedade de imagens idealizadas pela TV e rotuladas pelos meios de comunicação de massa”.
Ou seja, é isso mesmo...a moça faz parte da modernidade líquida marcada pelo encurtamento das distâncias físicas, valorização do poder de consumo e presença acentuada da mídia nas relações sociais. A moça se divide entre as tarefas cotidianas e a parada na frente da televisão para acompanhar mais um capítulo da “novela das oito”, bombardeada por representações contidas em mensagens de entretenimento ou mesmo publicitárias.
A moça sou eu na modernidade líquida...me desmanchando em gotas...

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