Ela é a ovelha NEGRA da família. Cara, aquele homem fez um serviço de PRETO lá em casa. Vixi, a coisa tá PRETA. A peste NEGRA foi o grande mal da Idade Negra na Europa. Conhece fulano? Ele é NEGRO de alma branca. Mas que piada sem graça heim? Que humor NEGRO. Oiapoque é o mercado NEGRO de Belo Horizonte. Esse aluno está na minha lista NEGRA. Não gosto dessas macumbarias, essa coisa de magia NEGRA.

Estas, entre outras milhões, são expressões que usamos no dia-a-dia que nada mais fazem que indicar e espalhar o preconceito contra os negros, pretos, pretinhos, ou como a constituição acha que melhor expressa “afro-descendentes”...
Embora o uso dessas expressões nem sempre são ditas de forma preconceituosa pelos falantes, a criação das mesmas já não foi feita de forma tão despretensiosa assim...
Sim, foi intencional e foi com intuito de denegrir a etnia negra sim...
Por quê? Porque há alguns bons séculos atrás os colonizadores europeus em terras africanas precisavam justificar (de forma mentirosa) a superioridade deles em relação aos colonizados (os negros). Para isso, tentaram (e de certa forma até conseguiram) induzir aos colonizados idéias de que era preciso submeter-se à ordem imposta porque eles eram raças inferiores, porque não possuíam armamentos, porque não tinham (segundo os europeus) qualificação técnica para comandar....então foram introduzindo, em doses homeopáticas, preconceitos na linguagem, na religião, nos afazeres em geral.
O pior é que nós brasileiros, frutos dessa mistura entre europeus, índios e negros, engolimos, alienados que somos, todos esses preconceitos que dizem respeito a nós mesmos....

Eu sou preta, pretinha de alma, coração, sentimentos, sensações, conhecimentos etc....
“branca de alma negra” “parda de alma negra” pois no meu íntimo, corre o sangue negro de quem odeia injustiças, de quem sofre com elas, de quem se vibra inteira ao barulho de um tambor, de quem luta e sobrevive, de quem quer igualdade para todos....


PRETA (Daniela Mercury)

Eu sou preta
Trago a luz que vem da noite
Todos os meus santos
Também podem lhe ajudar

Basta olhar pra mim pra ver
Por que é que a lua brilha
Basta olhar pra mim pra ver
Que eu sou preta da Bahia

Eu tenho a vida no peito das cores vivas
No meu sangue o dendê se misturou
Tenho o fogo do suor dos andantes
E a paciência do melhor caçador

Eu sou preta
Vou de encontro à alegria
Minha fantasia é mostrar o que eu sou
Vim de Pirajá cantando pra Oxalá
Pra mostrar a cor do alá de Salvador

Eu sou preta, mãe da noite, irmã do dia
Sou do Cortejo Afro encantador
Filho de Ilê Ayê, Ghandi Mestre Pastinha meu amor
Vou misturar o que Deus não misturou

Um abraço negro
Um sorriso negro
Traz. felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade

Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio, é luto
Negro é a solidão

Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é silêncio é a luta.
Negro também é saudade

Começou com a tal escravidão.
Onde todo o sacrifício era nas costas do negão
Hoje ta tudo mudado e o negro ta ligado.
Atrás de um futuro melhor considerado.
Respeito amor dignidade atitude.
Trabalho dinheiro cidadania e saúde.
E para o nosso país integração.
E para o nosso povo paz e união.
Preta.

História sobre ninguém parte 2

Era menino
em plena puberdade
espinhas estouradas no rosto
diferentemente dos outros meninos, gostava de ler
e tinha nesse hábito um prazer incomensurável
gostava de ler romances imensos...e sentia vergonha por isso
medo das pessoas o julgarem estranho...
lia escondido, durante a madrugada, quando a luz é pouca e
o silencio desconcertante...
ficava atento aos barulhos da casa...
para ninguém perceber que ele estava acordado...
no escuro do quarto, podia ser tudo:
Martim possuindo Iracema sobre o efeito do vinho
ou a Capitu de Machado de Assis...
não precisava ser menino, homem, mulher, tudo tão definidinho...
nem ele mesmo sabia se tinha estas questões resolvidas em sua cabeça...
sabia que gostava mais do mundo da literatura que do mundo real...
sabia que teria que acordar cedo no dia seguinte e enfrentar os alunos da escola...
as terríveis aulas de educação-física e a exibição de masculinidade nos meninos e a vaidade corporal das meninas...
sabia como funcionava o mundo adolescente mas não queria participar dele...
preferia fingir que era tímido...
preferia se esconder nas lentas garrafais que o enfeiavam...
preferia chegar a hora de ir pra cama...
hora de viajar, de ser alguém, de ser livre...

história sobre ninguém...

Era senhora
já de meia idade
acumulava em seu íntimo manias e sonhos impossíveis
gostava de se travestir em seus sonhos...
criava personagens:
menino jogando bola sozinho, menina na frente do espelho, senhor discreto lendo jornais, jovem viril namorando, etc...
fazia isso andando pelas ruas...
prestava atenção nas pessoas que iam e vinham...
brincava de adivinhar pra onde iam, o que faziam, se estavam tristes ou preocupados...
chegara em casa sem nada nas mãos...
lembrara que gostaria de ter comprado folhas verdes para a salada...
planejara um lindo prato colorido e saudável...
pra quê comprar rúcula, alface, agrião e espinafre?
comer sozinha? as folhas iriam murchar...
podia ter plantado suas folhas favoritas...assim colheria só o necessário...
pensa então em comprar sementes...
mas precisaria de adubo e uma boa pá...
desiste de fazer isso hoje...resolve comer fora
escolhe um bom restaurante, senta-se sozinha...
um copo só, obrigada...
repara na família ao lado...pai, mãe, menino, menina...
será que são felizes? será que ele a ama? será que ela o trai?
come vagarosamente o macarrão com folhas de manjericão...
o cheiro do prato perfuma o ambiente...
pensa então em plantar manjericão em sua futura horta...
aquela horta que há anos não sai da sua solitária imaginação....